Águas Passadas

Memórias do meu acervo de crônicas e poemas de 1995 em diante, ou seja, os primórdios da minha "Literatura de Bordel" neste país, época que ainda estava "engatinhando" na arte de escrever. Tem crônica em que a moeda corrente ainda era o cruzado, polícia significava segurança e a mulher melancia somente vendia frutas numa barraca da feira livre.



Começo este aquário com uma crônica especial que fiz sobre aquele astronauta brasileiro que foi até o espaço em 2006, o Marcos Pontes. Esta é uma crônica “espacialmente” feita pra você, ufanista e “ufonista”
 

“A Tragédia do homem de dez milhões de dólares”
 


- Olhem, tinha um brasileiro, um russo e um americano. Eles pegaram uma nave e foram para o espaço.
 
- Ah, não. Piada de novo não tio!

- Mas quem tá contando piada? É sério!

- Que sério o quê? Pô tio, você só trocou a nave pela ilha deserta. Um americano, um russo e um brasileiro estavam numa ilha deserta...

- Vocês não acreditam em mim?

- Conta outra. Essa é velha, tio.

- O astronauta brasileiro vai passar bem aqui ó. Num carro aberto. Aí eu quero ver vocês duvidarem de mim? O Brasil chegou ao espaço.

- Iiii... o tio ta viajando na maionese...parece que tá no mundo da lua?

As crianças no meio da multidão duvidaram do que eu estava dizendo: um astronauta brasileiro foi ao espaço. Mas a multidão ao redor da Avenida 23 de maio acreditava e, assim como eu, esperava o astronauta brasileiro desfilar em carro aberto pelas ruas de São Paulo.

Ambulantes já faziam seus negócios, aproveitando o momento:

 - Olha água! Olha água! Compra porque na Lua não tem.

- Cerveja é dois e cinqüenta!
 
Outros mais espertos tentavam ludibriar os menos informados: 

- Olha água! Olha água! Essa veio diretamente de Marte!

- Olha a caipirinha do astronauta! Você bebe e sai de órbita. 

Outros se aproximavam do real:

 
- Olha a réplica de Saturno. Leve grátis uma camisa de Vênus. 

Para mim, era motivo de orgulho. Eu me sentia na obrigação de saudar o brasileiro que tanto nos saudou lá de cima, com a bandeira do Brasil e outra do Noroeste de Bauru que só eu notei. Nesse caso é mais orgulho ainda, o Noroeste ficou em 3º lugar no Campeonato Paulista, a frente de Corinthians e Palmeiras. Duvido que o Tenente não tenha levado uma bandeira ou camisa do clube de Bauru. E por falar em Bauru:

- Olha o Bauru do astronauta de Bauru! Um e cinqüenta!

- Espere aí. Um e cinqüenta? Um Bauru leva queijo, presunto e tomate? Só um e cinqüenta? Na barraca do china  o pastel de queijo tá um e cinqüenta? Só queijo e vento?




- O meu é um e cinqüenta. Vai aí, doutor? 
Nem morto. Quero ficar a mil anos luz desse sanduíche. Esse é daqueles que não respeitam a lei da gravidade e não descem, ficam só flutuando na atmosfera do estomago.

Estava previsto que o astronauta, coronel, tenente, capitão e agora garoto propaganda da Embratur desembarcasse ás treze e trinta, mas eram quinze horas e nada. O povo ali, fiel, esperava o desfile em carro aberto do homem do espaço. E espaço era difícil naquela multidão. Empurra-Empurra, confusão, mas eu continuava firme ali com meus princípios: o cara foi até o espaço, pra que eu vou subir a serra? Mas aqueles milímetros de distância de uma pessoa a outra era coisa de estrela. Sim, esse astronauta tá pensando o quê? Que é estrela?  Aparece todo o dia no noticiário, na capa dos principais jornais do mundo? Tudo bem que ele lutou por um lugar ao sol, mas custou dez milhões de dólares? Isso me lembra o seriado do Cyborg, só que aquele era o homem de seis milhões de dólares. O nosso é mais caro e com esse negócio de viagem ao espaço numa espaçonave, o dólar opera no flutuante.
E o povo ali, debaixo daquela Lua, um sol quente e ardente. Mais uma hora se passou e começaram algumas reclamações. O coro era geral. Se ele ainda estivesse lá em Marte, dava pra escutar os elogios á sua mãe.

Alguns já criticavam a política do Presidente Lula: 

- Ora, um presidente com o nome de Lula, os investimentos deveriam ser voltados às pesquisas marítimas, na profundeza dos oceanos, não lá no espaço! 

- O Lula adora esse negócio de estrela. Lembra o PT. Um dia ele vai lá em cima, é só ver pelo refrão da última campanha “Lula lá, brilha uma estrela...” 

As rádios anunciaram que devido ao grande congestionamento na Avenida 23 de Maio, o comandante,tenente,coronel e futuro Ministro das Relações  Exteriores Marcos Pontes seguiu direto para sua cidade natal, Bauru.  Era de se esperar, o trânsito em são Paulo era tanto que ele poderia voltar até a lua que chegaria mais rápido.

Economicamente, isso queria dizer que São Paulo, a locomotiva do Brasil, parou metade do dia para ver o astronauta, que já na descida para o planeta terra fazia a inflação subir nas alturas: vai que a nave se espatifasse no chão, seriam dez milhões de dólares enterrados na areia do Cazaquistão. E nesse caso de enterrar dinheiro, eu sou mais a Paulipetro. Daí uma crise econômica se desencadeava, seguida de desemprego em massa e o custo de vida entrando em órbita.

E mesmo assim, o presidente Lula continuaria com os investimentos em pesquisas espaciais, desta vez com o astronauta carregando uma placa a ser colocada no novo planeta descoberto por um brasileiro, o planeta Marta, por enquanto, o único território do Brasil sem corrupção, problemas de educação e saúde. Mas por precaução, ao descer, o astronauta colocaria uma trava no volante da aeronave e uma folha do talão de Zona Azul em cima do painel, obviamente, daqueles que valem por duas horas e marcaria os dados com uma caneta daquelas que você pode apagar depois que escreveu.

                                                                               
                                                                          Mauzinho 2006                                                                                                         

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