segunda-feira, 29 de outubro de 2012

"Fazendo carnaval por muito"

"Fazendo carnaval por muito"


Que dia aquele! Notas baixas no boletim, reclamações na reunião de pais e mestres e pra completar quebrei o vaso de porcelana da sala de estar! Um mal estar geral em casa. Clima de ditadura, de Chico Buarque. Fui recorrer à discoteca de meus pais e lá estava dando sopa um vinil do Chico, "poeteiro" como eu. A música? "Quando o Carnaval Chegar"
Enquanto na cozinha rolava uma briga entre meu pai e minha mãe, eu escutava o disco do Chico...
Meus pais na cozinha:
- Eliana, seu filho não estuda, não faz uma coisa que preste! Não se mexe pra nada!
- Guilherme, por que você diz "seu filho? O Mauzinho não é só meu, ele também veio de você! Mas que parece que ele está em outro mundo, isso parece!
Na vitrola, eu escutava a música...
"Quem me vê sempre parado, distante
Garante que eu não sei sambar
Refrão: Tô me guardando pra quando o carnaval chegar"

E na cozinha...
- Você vai ter dinheiro pra pagar reforço escolar de matemática, ciências e português ao Mauzinho?
- E vale a pena investir num vagabundo como ele?
Que raiva eu sentia! Estudei pra burro no período de provas! Inclusive português, matemática e ciências. No toca-discos a obra de Chico:
"Eu to só vendo, sabendo, sentindo, escutando
E não posso falar
Refrão: Tô me guardando pra quando o carnaval chegar"


Na cozinha, eu era o prato cheio para discussões...
- Guilherme, você sabia que ele andou de libidinagem com a Nádia?
- É... A professora de Ciências me falou... Mas na matemática da questão, se rolou alguma química entre eles deve ter sido apenas uma história, em bom português, não rolou nada físico.
No vinil do Chico...
"Eu vejo as pernas de louça da moça
Que passa e não posso pegar
Refrão: Tô me guardando pra quando o carnaval chegar "

No ambiente da casa onde se preparava as refeições eu alimentava a briga entre marido e mulher...
- E saiba Guilherme que além da Nádia, ele quis beijar a professora de Educação Artística, a Débora?
- A Débora? Aquela de artes? Esse menino é arteiro mesmo!
Na sala de estar, em plena vitrola...
"Há quanto tempo desejo seu beijo
Molhado de maracujá
Refrão: Tô me guardando pra quando o carnaval chegar"

Fervia na cozinha a discussão entre meus pais...
- Você ouviu o que o professor de histórias falou do seu filho?
- Já disse Guilherme. Nosso filho!
- O mestre disse que o Mauzinho é preguiçoso!
O vinil soava a canção de Chico...
"E quem me ofende, humilhando, pisando,
Pensando que eu vou aturar...
Refrão:Tô me guardando pra quando o carnaval chegar"


Meu pai já estava irado com as notícias...
- Ah, mas eu vou dar umas boas chineladas neste menino!
E dá-lhe samba na vitrola...
"E quem me vê apanhando da vida,
Duvida que eu vá revidar...
Refrão: Tô me guardando pra quando o carnaval chegar"


Minha mãe e meu pai, destemperados na cozinha...
- Guilherme, você deve tomar uma decisão.
- Fazer o quê, Eliana?
- Vá lá e fale com ele. Tenha uma conversa dura!
- Sozinho?
Pai e mãe invadem a sala. Chico Buarque canta seus últimos versos antes do sermão...
"Eu tenho tanta alegria, adiada,
Abafada, quem dera gritar...
Refrão: Tô me guardando pra quando o carnaval chegar"


Filho. Suas notas estão baixas e na reunião de pais e mestres foram só notícias ruins e reclamações! Você não tem nada a dizer para nós? Que rumo vai tomar na vida?
-"Tô me guardando pra quando o carnaval chegar!"

Mauzinho 2012
 







 


 

 

 

 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Piquenique Muito Louco!

Aquáticos, muito do que eu coloquei nesta crônica aconteceu mesmo. O casal que aparece no final do texto foi uma das veracidades. É praticamente um Conto de Fod... Ops! Quer dizer, um Conto de Fadas! Divirtam-se com mais essa pérola!




“Piquenique Muito Louco!”

 
 
 
 
Frango assado, farofa, batatas fritas. A salada era de tomate e rabanete. Bebidas: pinga e cerveja. Pouco depois do meio-dia, eu e minha turma estávamos sentados no Quiosque Jequitibá, dentro do Parque Alfredo Volpi, no Morumbi. Cada qual contando vantagens sobre o prato que trouxeram.
Em cima de uma mesa comprida de madeira colocamos a toalha e os talheres e pratos de plástico.
Violões, cantorias e os aperitivos devidamente servidos, nós começamos oficialmente o piquenique em meia hora.
A descontração de José Pinto Souto, as indiretas cortantes de Maria Ferrão, a felicidade de Felismina, a dureza de Norma Rocha, os mistérios de Inácio das Trevas, enfim, grandes amigos reunidos pelo facebook. Nem vou colocar suas fotos nesta crônica por causa do contraste com as belas imagens do parque.
 
 
 
Eu nem tinha começado a almoçar de verdade e devido ao consumo elevado de cerveja, fui até o banheiro. A distância do quiosque ao banheiro era grande o que fez a vontade de “tirar a água do joelho” aumentar até o estágio “urgência”!
Todas aquelas árvores no meio da trilha me lembraram que na geração anterior eu fui um vira-lata. Caminhei um pouco mais para dentro da mata atlântica preservada do parque e escolhi uma árvore para“batizar”...
 
 
- O quê? Não é possível! A árvore esta cruzando as pernas para mim?
Esfreguei os olhos e dei uma nova espiada para cima enquanto batizava o caule... A espiada virou piada...
- Quem diria que minha urina tivesse tantos poderes assim? A árvore cruzando as pernas para mim!
Escutei uma voz:
- “Ei, Mauzinho... Que xixi quentinho!...”
- O quê?
- “Estava precisando de uma boa regada...”
Já soube de gente que viu urso, leão, cobra, dinossauro quando estava fazendo piquenique, mas uma árvore cruzando as pernas enquanto você urinava?
- “Ei, Mauzinho... Não vá embora...”
- Mas eu preciso voltar ao piquenique.
- “Deixa pra lá o piquenique, venha aqui me dar um abraço, bater o pique, brincar de esconde-esconde...”
- Tá bom, eu vou abraçá-la, mas só um pouquinho.
- (...)
- Até que é bem gostoso abraçar você hein?
- “Gostou? Que tal dar uma trepada?”
- Sabe o que é Dona... Dona... Como é mesmo seu nome?
- “Jequitibá –Rosa... Vamos? Só uma trepadinha?”
- Sabe Rosinha, eu tomei muita cerveja e acho que subir agora não será possível. Posso até subir um pouquinho, mas a queda vai ser inevitável. Além do mais, os galhos mais pertos só estão lá na sua copa? Olha Rosinha, acho que o Sêo Jequitibá está traindo você. Como tem galho lá no alto?
- “Rá, rá, rá... Mauzinho você é muito engraçado...”
- Gostei também de você, Rosinha, apesar de ser um pouco fresca...
- “Você tem que ir embora né? Faz assim, pegue esta trilha menor para cortar caminho. Apareça quando quiser aqui no Parque Alfredo Volpi, estarei dando bandeira, bandeirinhas, sempre aqui, no mesmo lugar, não vou sair daqui até você voltar...”
- Prazer Rosinha! Se não fosse a cerveja e o trauma que tive no passado com o “Pau de Sebo” nas festas juninas eu teria trepado!
Peguei aquela trilha que a árvore falou. Meia hora e nada do Quiosque dos Jequitibás...
- Lógico! Rosinha fez de propósito! Só porque não quis trepar, ela me indicou um caminho errado. E agora?
Foi quando de dentro da mata, assim, sem mais nem menos, aparece um casal de outra época, personagens de muitos e muitos anos atrás...
- Rapunzel e Don Juan? Não, o cabelo dela não era tão comprido assim. Apesar de que tinha rabanete na salada do piquenique. Romeu e Julieta? Sim, o pessoal do piquenique já deve estar na sobremesa, no queijo branco com goiabada cascão e tá faltando pouco para eu ver o Cebolinha, a Mônica e o próprio Mauricio de Souza perambulando por aqui... Deve ser miragem devido à fome e o efeito da mistura de fermentado com destilado. Por outro lado:
- Ei Mauzinho!
 
“Eles estão falando comigo? Então não é efeito da cerveja!”
- Pois não? Em que época eu estou? Napoleão já descobriu a América? Cadê o cavalo branco?
O cara vestido de príncipe então falou:
- Mauzinho, nós apenas estamos perdidos? É que pegamos uma trilha errada ao voltar do banheiro e precisamos encontrar o nosso pessoal na área de piquenique...
- Ahaaaááá! Vocês também foram “regar”os Jequitibás? E aí? Comeu a Rosinha?
Mauzinho 2012

sábado, 20 de outubro de 2012

MELANCÓLICOS ANÔNIMOS

É a transformação "Água Crônica" para o "Álcool Etílico". Mais uma do aquário Aguardente. Divirtam-se!


"Melancólicos Anônimos"




 

Sim, tem dias que de noite a gente começa a ver tudo nublado, dobrado, pende de um lado, do outro e o brado cada vez mais bravo retumbante:

- Bravo! Biz! Biz!

Gente, este Karaokê tá quebrado! Deu nota nove e meio pra essa música do Zé Ramalho? Essa música que eu despedaçei? Foi ramalho pra tudo quanto é canto!

- Mas Mauzinho... Essa que você cantou não era do Zé Ramalho.

- Não?

- Tse, tse, tse... Era do Zeca Baleiro.

- Avohai! Eu tenho certeza! Juro pelo meu avô e também meu pai!

- Foi Baleiro Mauzinho!

- Putz! Mas alguém percebeu?

- "Quase Nada".

- Viu? Mandei bem. Tá fazendo diferença aquelas aulas de canto do Prof. Jorge.

- Mauzinho, "Quase Nada" era o nome da música do Baleiro que você cantou.

- O pessoal aplaudiu, não aplaudiu? Então? É isso que interessa!

- Tá todo mundo bêbado mesmo... Entenderam bem o seu francês...

- Pera aí! Francês?

- Oui metiê... Úi, essa pinguinha desceu pra valer!

- Não é metiê, é messiês! No plural: Messia, messiês... Mas como é que o pessoal entendeu essa música do Baleiro em francês, se eu só sei falar Bonjour Madeimoselle e o tradicional cumprimento quando se vê outra pessoa, o "Saravá?"?.

- Melhor a gente "sair a francesa", aproveitando o nosso momento de fraternidade, igualidade e duplicidade. Tem muita gente aqui, mas escuto poucas vozes...

O corredor do Bar Karaokê de seis metros de largura era uma travessia com dificuldade nível cinco, pior que montanhismo, tanto para mim como para Temístocles. Mas se "tomar um mé não vai a montanha, a montanha vai tomar um mé..." Um aparava o outro. Prevenidos, estavamos a pé. Um passo meu e três dele, enfim, o que conseguíamos aproveitar em nossos passos bêbados.

Resolvemos apanhar um táxi. Aliás, quase que um táxi nos apanhou ao atravessar a rua.

- Ei! Vão para onde? - Perguntou o taxista.

- ...בואו לאבנידה פאוליס
 

 


- Hebráico não entendo. What about english? All right?


- My name is "litlle bad" and this is my friend... my friend... Aristóteles!


- Temístocles Bonzinho!


- Bonzinho não! Mauzinho Sócrates!


O taxista ficou desolado.


- Melancólicos anônimos! Era só o que me faltava neste fim de noite!

                                                  Mauzinho 2012

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Tu qué?

Essa é do aquário "Águas Passadas". É de 1996! A moeda corrente era o cruzado. O Riviera Bar funcionava a todo o vapor. Curtam mais uma crônica dos meus primordios em literatura!



"Tu qué?"

 
 

Trindade é uma praia que fica na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro, próximo a cidade de Paraty. Como toda a região linda e selvagem, o acesso até este paraíso é complicado, estradinhas de terra que numa chuva torrencial viram rios de lama. Mas é uma praia tão linda que arrisco a dar um palpite: Ulisses Guimarães não morreu naquele acidente de helicóptero perto de Angra dos Reis. Ele deve ter pulado momentos antes da aeronave cair, livrando-se da sua mulher e da sujeira da política para desfrutar toda a beleza de Trindade. E digo mais, Raul Seixas também não morreu. Só no último feriado eu vi uns dez Raulzitos andando por aquelas areias fofas que provocam miragens nos malucos beleza, embora seja depois de uma consumação não tão moderada do "cachimbo da paz".

Visconde de Mauá, São Tomé das Letras, Boipeba, enfim, lugares como estes são sempre tão difíceis de chegar quanto o beiço do Nelson Ned tentando encontrar os lábios carnudos a altos de Carolina Ferraz. Mas quando alcança, que prazer...



Foi para falar de Trindade que a minha amiga Marta combinou uma cervejinha no Riviera Bar, este paraíso bem mais fácil de chegar, um paraíso perto do metrô Consolação. Marta é frequentadora assídua de Trindade e passou quinze dias naquelas praias curtindo as férias. Estava cheia de boas novas.

Pedimos uma cerveja e depois de conversas preliminares como "Nossa você voltou bronzeada hein?" "E esse seu branco escritório?" "Você viu a última do Cacique Juruna no Congresso Nacional?" "Essa mancha na sua mão foi um o limão da caipirinha?"

- Mauzinho, você não sabe a figura que está morando em Trindade. Um italiano que resolveu fazer a vida aqui no Brasil e trabalha como pizzaiolo num barzinho da Praia do Meio.

- Tem pizza agora na Praia do Meio? Daqui a pouco vão fazer um Burguer King lá hein? Mas como você conheceu o Itália?

- Tu qué?

- Não, meu copo está cheio.

- Tu qué?

- Tá cheio meu copo, olha aí.

- Tu qué?

- Mas eu já disse que meu copo está cheio? O que você anda fumando Martinha?

- Mas foi assim que eu conheci o ragazzo. O gringo aprendeu a perguntar Tu que? com sotaque carioca. E tudo o que eu via ele perguntava: Tu qué? Tu qué? Tu qué? Era só eu olhar um peixe ainda no anzol e ele Tu qué? Um sorvete e ele Tu qué? Olhava um cachorro e ele Tu qué? Lembra-se daquele vira-latinha meio marronzinho, meio branco?



- Sei , eu me lembro, claro. Eu até coloquei nele o apelido de Bicalho?

- Isso, o Bicalho. E o Italiano: Tu qué? Até a Lua ele me oferecia Tu qué? Tu qué?

- E o que você respondia quando ele te perguntava Tu qué?

- Eu agradecia e quando era do meu alcance eu aceitava.

- Vocês querem mais uma cerveja? – Perguntou o garçon.

- Tu qué? Perguntou Marta...

- Manda mais uma. Marta o que você acha de mais uma porção de queijo provolone?

- Tu qué?

- Garçom,manda também uma porção de provolone no capricho.

Voltei ao assunto Trindade.

- Acho que no próximo feriado eu vou para Trindade.

- Tu qué?

- A cerveja ou ir para Trindade?

- Tu qué?

- Tu qué o quê?

- Tu qué?

- Marta, eu não acredito. Você pegou a mania do Tu qué?

- Tu qué?

- Eu não. Mas você sim quer me endoidecer!

- Tu qué?

- E agora? Ela ficou louca? Garçon, traga a conta.

- Mas vocês pediram aquela porção de provolone.

- Esqueça. Minha amiga atravessou as ideias. Você tem algum telefone que eu possa usar?

- Claro, tem um lá no balcão.

Fui até o interior do bar, ligar para um médico que é bom nesses piri-paques, o Dr. Além. Mas não tinha ninguém além da linha ocupada. Na volta o garçom estava com a conta na mão;

- Tu qué?

- Querer eu não quero, mas...

Paguei os cruzados ao garçon e me mandei com a Marta. Coitada, essa "Marta Morta" tinha que aprontar comigo? Acho que vou pegar um táxi. Fiz sinal ao primeiro táxi que passava na Av. Consolação:



- Chefia, quanto é até a Aclimação?

- Tu qué? – Perguntou o taxista.

- Então, eu quero saber até a Aclimação? É quanto?

- Tu qué? Tu qué?

Desisti do táxi.

- Marta você está bem? Responda alguma coisa?

- Tu qué?

- Não pedi para perguntar, só para responder!

- Tu qué? Tu qué?

Liguei do orelhão para o SUS. Uma moça atendeu:

- Tu qué?...

- Tu qué coisa nenhuma! Eu não quero, eu preciso de uma ambulância urgente!

- Tu qué?...



Tentei o Corpo de Bombeiros;

- É dos Bombeiros?

- Tu qué? Tu qué?...

Minha última esperança, uma cabine policial, entre a Paulista e a Consolação. Vazia... Apenas um bilhete sob a mesa escrito a mão:

Tu qué?

Mauzinho 1996


sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Dia das Crianças

Queridos aquáticos, neste 12 de Outubro, aqui vai uma crônica que tem a ver com a teimosia que existe em todas as crianças. Divirtam-se!


"Daquilo que eu sei... E também não sei..."


Eu me lembro das investidas que fazia na vitrola lá de casa. Uma delas marcou o que os pais chamam de "boas maneiras". Ivan Lins foi um verdadeiro apoio que tive contra as ordens dos meus pais, como por exemplo, escovar os dentes antes de dormir, tomar banho, arrumar a cama. Eu explico. Numa tarde, realizei uma expedição pela discoteca de meus pais e achei um "bolacha" do Ivan Lins, com a música "Daquilo que eu sei". A música começava assim:

"Daquilo que eu sei

Nem tudo me deu clareza

Nem tudo foi permitido

Nem tudo me deu certeza..."


Tudo bem por enquanto. Apesar de criança não saber muito, daquilo que eu sabia de português dava pra entender a letra. Mas daí veio aquele bendito trecho:

"Só não lavei as mãos e é por isso que eu me sinto,

Cada vez mais limpo, cada vez mais limpo, cada vez mais limpo..."


Agora embananou tudo. O Ivan Lins falou que não lavou as mãos e se sente cada vez mais limpo? Sei não...Acho que vai dar confusão. Mais tarde, antes do jantar:

- Mauzinho, vai lavar as mãos porque vamos jantar.

- Não, não vou.

- Como não vai? Sua mãe está mandando!

- Já disse que não vou...

- É assim é? Não vai?

- Não! Não vou lavar as mãos e me sinto cada vez mais limpo...

- Que história é essa? Tá pensando que é o Ivan Lins?

- Mas como você adivinhou mamãe? Foi ele mesmo quem falou: "Só não lavei as mãos e é por isso que eu me sinto, Cada vez mais limpo, cada vez mais limpo, cada vez mais limpo..."

 

- Pois bem. Então escute essa. Preste muita atenção porque vou cantar uma só vez:

"No Novo Tempo, apesar dos castigos, estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos, pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer...". Conhece essa letra? Também é do Ivan Lins.



- O pai já saiu do banheiro?



Mauzinho / 2012

sábado, 6 de outubro de 2012

Cuidado com o vão entre você e seus pais

Estamos no Água Crônica. Como em todo o lago, lagoa, rio e mar, as águas deste blog costumam a refletir. O que tenho agora é uma crônica para vocês refletirem. Boa leitura aquáticos terrestres!

 

"Cuidado com o vão entre você e seus pais"

 
 


 
Consolação era a próxima estação do metrô e o destino de mais um dia de trabalho. Minha filha tinha ficado na estação Tiradentes. Nem quis a minha presença até as catracas:



- Pai, pode ficar por aqui... Aqui está bom... Assim você volta uma estação e pega a linha amarela até a Paulista.

Eu compreendo, ela está na idade de ficar mais livre, mais solta, mais independente, assim como Tiradentes lutava por mais independência e liberdade. Consolei-me na Consolação, apesar de falar comigo mesmo: "Se ela queria mais independência por que não desceu no metro liberdade?". Mas antes da parada do trem na estação luz, li na parte de cima da porta de saída uma mensagem que iluminou minha cabeça. A frase alertava num tipo de letra especialmente utilizado para chamar a atenção dos passageiros: "Cuidado com o vão entre a plataforma e o trem!".

Automaticamente a porta se abriu, assim como matematicamente os pensamentos sobre meu pai foram se somando e não mentiam: "Existia um vão enorme entre nós". Ao pisar na plataforma, sentia um nó na garganta porque a segurança daquele concreto fez o meu abstrato lembrar de meu pai em seu leito de morte e assim como o trem que partia, meus pensamentos foram seguindo de estação em estação até a minha infância. Uma bela infância, meu pai exercendo a responsabilidade de chefe de família, pagando contas, me levando para a escola, para os passeios e hoje descubro que as raras vezes que tínhamos uma conversa mais séria, sempre vinha após uma reunião particular com a minha mãe. Mas aquela conversa de homem para homem poucas vezes aconteceu, se é que aconteceu. Sexo, profissão, velhice, enfim, está difícil recordar de uma conversa mais profunda com meu pai a respeito destes temas cheios de tabu. Um silêncio. E agora, minha filha com seus quatorze anos, está numa fase de distância de seus pais, ainda que no começo. A voz do funcionário do metro ecoava pela estação: "Ao descer do vagão, cuidado com o vão entre a plataforma e o trem".

Existia um abismo, uma depressão profunda no oceano que banhava meu pai e eu. Na minha mente essa onda de pensamentos veio como um tsunami, varrendo outras preocupações de como seria meu dia, o que vou comer no almoço e inclusive o que vou levar de bebida para a "hora-feliz" do fim de expediente?: Estricnina? Cicuta? Licor Fernet? A pinga do Nicanor?

Eu vi meu pai falecer no hospital e procurava descobrir o que havia naquele silêncio final, dos seus últimos dias. O que ele pensava sabendo que seu destino estava próximo? Se tivesse feito isto, se tivesse feito aquilo. Devia ter me casado com aquela, não devia ter me casado, bem que eu devia ter me separado e ficado com aquela outra. Um filho só já era o suficiente para uma boa qualidade de vida, mas aí veio o Mauzinho... Devia ter logo uma meia dúzia de filhos... Se eu seguisse a profissão de advogado talvez estaria numa melhor...

 

O que será de minha neta? Será que meu filho vai ter uma conversa franca com ela, diferente do que eu acabei não fazendo sem saber?... Por que meu filho insiste nessa mania de ser escritor ao invés de se dedicar á sua carreira no banco?...

O silêncio entre nós foi crescendo igual a um carro que parte da cidade rumo ao interior. O vão que quase não existia entre nós, estreito como aquele entre o trem e a plataforma do metro foi ficando cada vez maior. A partida deste carro foi na minha adolescência que coincidia com a meia idade do meu pai. Meia cerveja. Sim, me lembro de der tomado cerveja pela primeira vez num almoço de domingo, oferecida pelo meu pai, era uma garrafa pequena e gordinha, o gosto por sinal era bem amargo e hoje o gosto da cerveja perdeu o gosto, assim como as conversas que eu tinha com ele, cada vez mais difíceis de acontecer e sempre mais rápidas, menos intensas. Agora tenho certeza de que a quietude dele, sempre pensativo, eram reflexões sobre os estilos de caráter que deveria ter tomado e que poderiam ser debatidas entre nós. Imagino que bom seria se aquele vão entre a gente fosse preenchido com um chão protegido que nem precisasse da linha amarela de segurança, de vê-lo mais alegre e com mais sonhos realizados, uma vez que nos últimos anos ele vivia em função da minha filha e acredito que existia um leque bem maior de aspirações a serem realizadas.
Caminhei os três quarteirões da Av. Paulista que separavam o metro do meu trabalho, sempre com estes pensamentos e antes de entrar no prédio onde garanto o meu ganha-pão, não tinha vão nenhum, apenas uma escada de três degraus. Mas, um novo vão poderia estar começando entre mim e minha filha. Novamente a minha mente se lembrava da voz daquele funcionário do metrô : "Cuidado com o vão entre a plataforma e o trem".
 
E ao descer neste mundo, há quarenta e cinco anos atrás, no século passado, bem que algum anjo ou o Universo poderiam me alertar: "Cuidado com o vão entre você e seus pais"...

                                                                                                       Mauzinho 2012