quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Tu qué?

Essa é do aquário "Águas Passadas". É de 1996! A moeda corrente era o cruzado. O Riviera Bar funcionava a todo o vapor. Curtam mais uma crônica dos meus primordios em literatura!



"Tu qué?"

 
 

Trindade é uma praia que fica na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro, próximo a cidade de Paraty. Como toda a região linda e selvagem, o acesso até este paraíso é complicado, estradinhas de terra que numa chuva torrencial viram rios de lama. Mas é uma praia tão linda que arrisco a dar um palpite: Ulisses Guimarães não morreu naquele acidente de helicóptero perto de Angra dos Reis. Ele deve ter pulado momentos antes da aeronave cair, livrando-se da sua mulher e da sujeira da política para desfrutar toda a beleza de Trindade. E digo mais, Raul Seixas também não morreu. Só no último feriado eu vi uns dez Raulzitos andando por aquelas areias fofas que provocam miragens nos malucos beleza, embora seja depois de uma consumação não tão moderada do "cachimbo da paz".

Visconde de Mauá, São Tomé das Letras, Boipeba, enfim, lugares como estes são sempre tão difíceis de chegar quanto o beiço do Nelson Ned tentando encontrar os lábios carnudos a altos de Carolina Ferraz. Mas quando alcança, que prazer...



Foi para falar de Trindade que a minha amiga Marta combinou uma cervejinha no Riviera Bar, este paraíso bem mais fácil de chegar, um paraíso perto do metrô Consolação. Marta é frequentadora assídua de Trindade e passou quinze dias naquelas praias curtindo as férias. Estava cheia de boas novas.

Pedimos uma cerveja e depois de conversas preliminares como "Nossa você voltou bronzeada hein?" "E esse seu branco escritório?" "Você viu a última do Cacique Juruna no Congresso Nacional?" "Essa mancha na sua mão foi um o limão da caipirinha?"

- Mauzinho, você não sabe a figura que está morando em Trindade. Um italiano que resolveu fazer a vida aqui no Brasil e trabalha como pizzaiolo num barzinho da Praia do Meio.

- Tem pizza agora na Praia do Meio? Daqui a pouco vão fazer um Burguer King lá hein? Mas como você conheceu o Itália?

- Tu qué?

- Não, meu copo está cheio.

- Tu qué?

- Tá cheio meu copo, olha aí.

- Tu qué?

- Mas eu já disse que meu copo está cheio? O que você anda fumando Martinha?

- Mas foi assim que eu conheci o ragazzo. O gringo aprendeu a perguntar Tu que? com sotaque carioca. E tudo o que eu via ele perguntava: Tu qué? Tu qué? Tu qué? Era só eu olhar um peixe ainda no anzol e ele Tu qué? Um sorvete e ele Tu qué? Olhava um cachorro e ele Tu qué? Lembra-se daquele vira-latinha meio marronzinho, meio branco?



- Sei , eu me lembro, claro. Eu até coloquei nele o apelido de Bicalho?

- Isso, o Bicalho. E o Italiano: Tu qué? Até a Lua ele me oferecia Tu qué? Tu qué?

- E o que você respondia quando ele te perguntava Tu qué?

- Eu agradecia e quando era do meu alcance eu aceitava.

- Vocês querem mais uma cerveja? – Perguntou o garçon.

- Tu qué? Perguntou Marta...

- Manda mais uma. Marta o que você acha de mais uma porção de queijo provolone?

- Tu qué?

- Garçom,manda também uma porção de provolone no capricho.

Voltei ao assunto Trindade.

- Acho que no próximo feriado eu vou para Trindade.

- Tu qué?

- A cerveja ou ir para Trindade?

- Tu qué?

- Tu qué o quê?

- Tu qué?

- Marta, eu não acredito. Você pegou a mania do Tu qué?

- Tu qué?

- Eu não. Mas você sim quer me endoidecer!

- Tu qué?

- E agora? Ela ficou louca? Garçon, traga a conta.

- Mas vocês pediram aquela porção de provolone.

- Esqueça. Minha amiga atravessou as ideias. Você tem algum telefone que eu possa usar?

- Claro, tem um lá no balcão.

Fui até o interior do bar, ligar para um médico que é bom nesses piri-paques, o Dr. Além. Mas não tinha ninguém além da linha ocupada. Na volta o garçom estava com a conta na mão;

- Tu qué?

- Querer eu não quero, mas...

Paguei os cruzados ao garçon e me mandei com a Marta. Coitada, essa "Marta Morta" tinha que aprontar comigo? Acho que vou pegar um táxi. Fiz sinal ao primeiro táxi que passava na Av. Consolação:



- Chefia, quanto é até a Aclimação?

- Tu qué? – Perguntou o taxista.

- Então, eu quero saber até a Aclimação? É quanto?

- Tu qué? Tu qué?

Desisti do táxi.

- Marta você está bem? Responda alguma coisa?

- Tu qué?

- Não pedi para perguntar, só para responder!

- Tu qué? Tu qué?

Liguei do orelhão para o SUS. Uma moça atendeu:

- Tu qué?...

- Tu qué coisa nenhuma! Eu não quero, eu preciso de uma ambulância urgente!

- Tu qué?...



Tentei o Corpo de Bombeiros;

- É dos Bombeiros?

- Tu qué? Tu qué?...

Minha última esperança, uma cabine policial, entre a Paulista e a Consolação. Vazia... Apenas um bilhete sob a mesa escrito a mão:

Tu qué?

Mauzinho 1996


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