terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O Encontro no Rei do Mate


Desde quando eu estava na barriga da minha mãe é que percebi que nossa comunicação teria sérios problemas no futuro. Isto porque, dentro do seu útero, eu dava socos e pontapés e minha mãe respondia com uma suave e carinhosa voz, além de palavras doces do tipo meu amor, meu anjo. Como resposta a suavidade da voz materna, uma nova saraivada de golpes de karatê : - "Pô, tá calor aqui dentro! Cadê o oxigênio e o gás carbônico? E pra beber não vai nada? Onde está o sangue materno rico em nutrientes?". E tome mais socos e pontapés que foram respondidos docemente e prontamente. Se tivesse um irmão lá comigo nem pensar! Capaz de nascer morto...

Do lado de fora da sua barriga e sem estar conectado ao cordão umbilical, a comunicação passou a ser oral. Novos conflitos. Ela falava formiga e eu respondia "tomiga", saía tudo errado. Mais tarde, melhorou um pouco, só que apesar de entender o que ela falava eu não executava:

- Que bagunça é essa na sala? Eu não disse pra você deixar tudo arrumadinho?

Quando começaram a crescer pelos em meu corpo, piorou de novo. O bicho agora pegava na recepção da mensagem.

- Então meu filho, você antes de ir ao banco, passe na casa da sua tia, que fica perto desta rua, dobrando a segunda à esquerda e pegue a conta do telefone dela para pagar também. Entendeu? Filho! Você ouviu o que eu lhe disse?

- Ã? O que mãe?

- Porra, não adianta! Você só pensa nela! E não tente ir até o banheiro com estas revistas que eu escondi a chave!

Hoje, passados quarenta e cinco anos, a história da comunicação entre nós dois mudou bastante...

- Mauzinho, telefone para você.

- Quem é Fátima?

- Acho que deve ser a sua mãe.

- Alô? Oi mãe! Tudo bem?

- (...)

- Eu sei que você vem. Mas tá tudo bem com você?

- (...)

- Eu sei que não tem ninguém com você. Eu só perguntei... Deixa pra lá vai!

- (...)

- Mas que Lalá? Não vai nenhuma Lalá! Olha mãe, esquece vai, vamos combinar onde eu te pego.

- (...)

- Ai Ai se eu te pego? Quer dizer que essa porcaria do Michel Terror você escuta né? E o seu filho você não escuta! O seu filho você não escuta!

- (...)

- Eu xinguei de Filho da Puta? Mãe, onde podemos nos encontrar? Que tal em frente ao Trianon?

-(...)

- Não, de onde você tirou esse Tri-anão?Fátima, por favor, assim não dá, tente você marcar um ponto de encontro com minha mãe. Hoje tá bravo o negócio!

- Alô. DªEliana? Isso mesmo é Fátima quem está falando. Aonde? Mas é claro, é bem perto daqui. A que horas? Três horas? Combinado então. Seu filho vai descer para encontrá-la. Passar bem, obrigada!

- Fátima, eu não acredito! Como você conseguiu?

- Falando ué? Ela vai aguardar você em frente ao Rei do Mate ás três em ponto. Vou até repetir, em frente ao Rei do Mate ás três em ponto.

- Em frente ao Rei do Mate ás três em ponto? Ótimo! Belo trabalho Fátima!

Eram quatorze e quarenta e cinco quando toca o telefone do escritório...

-O Zé? Atende aí pra mim, vai? Se for algum cliente diz que eu já saí!

- É a sua mãe Mauzinho?

- Minha mãe? Deixa eu falar com ela.

- Ela já desligou. Mandou dizer que está esperando você lá no Masp.

- No Masp? Vou ligar pra ela!

- Alo? Mãe. Onde você está?

- (...)

- O quê? Não achou o Café do Ponto?

- (...)

- Não mãe! Não é Rei do Masp! E muito menos em frente ao Café do Ponto! É Rei do Mate ás três em ponto! Ai que saudades do Líquido Amniótico!

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